25 fevereiro 2014

[vooema] | Editora Intrínseca

[vooema] | Editora Intrínseca


Adivinhem queridos e queridas: Estou fazendo uma revista pra faculdade, resumindo um livro que tenho que ler etc e daí fico sem tempo pro blog, mas hoje li esse texto tão doce que quis compartilhá-lo com vocês e, claro, guardar aqui na minha Coleção de Suvenirs. Aproveitem! Um beijo ☺

Se a poesia tivesse um destino – este – seria o infinito, e não seus olhos. Lamento informar, senhora passageira: a leitura é apenas uma ponte entre a palavra realizada e a tão sonhada eternidade. A poesia existiria mesmo se não houvesse ninguém para decliná-la ou declamá-la. Ela não precisa da gente, ela se abastece do que sente e pranto. Ela não precisa de gente, ela se acompanha sozinha e pronto.
Seus olhos seriam úteis em outro momento, não agora que escrevo um poema. Um poema com asas, diga-se de passagem. Pois é, a poesia é uma espécie de pássaro: talvez um papagaio – desses que repete a alma do seu dono. Ou talvez seja mais poético acreditar que o poeta é o piloto das sílabas. Seu papel: levar as palavras desprotegidas para um lugar seguro.
(seus olhos?)
No saguão de embarque, os sentimentos já formam uma pequena fila. Todos já sabem o seu destino. O Amor, sempre ele, ocupa o assento 26B, e parece não se importar com a vizinhança. Bate um papo afetivo com a carência, que ainda se ajeita na poltrona perto do corredor, e oferece ajuda para o ego, que parece ignorar seus colegas de voo e coloca as malas no bagageiro sem responder. O Remorso fez check-in mais cedo e optou por uma poltrona perto da saída para que todos sejam obrigados a passar por ele ao menos uma vez nessa viagem. A Liberdade – essa passageira tão desejada – ficou ao lado da asa direita. Mas ela não fica parada muito tempo, e se levanta antes mesmo da fase da decolagem se dar por completa. Ela adora a sensação de se desafivelar por livre e espontânea necessidade. ASaudade não embarcou dessa vez. Já está do outro lado do mundo à espera do Passado, da Agonia ou de qualquer outra palavra dolorida. Todos os assentos estão ocupados. Minto: a Ausência se esqueceu do bilhete de embarque e, mais uma vez, deixou um vazio entre Você, na 18A e Eu, na 18C. O Tempo até se ofereceu para remediar a nossa distância na 18B. Negamos. Às vezes, é bom deixar o Nada entre nós.
Os motores estão com a força total disponível, na exata velocidade que eu preciso para alçar voo e ver cada verso se descolar da pista de decolagem – essa imensa página de concreto! Desligo o celular. Assim que o painel luminoso autorizar, ligarei a vida em modo avião.
Eu nunca escrevi um poema sequer para querer ser lido. Sempre escrevi para voar. Quando aprendi a escrever, na verdade, me foi ensinado a voar. E voar aos seis anos se faz sem rotas, sem fronteiras, sem medo. Bater asas aos 29 é mais perigoso. A gente sente tanta ânsia, tanta vertigem, contanto com uma pequena vantagem: os desenhos nas nuvens fazem mais sentido. Vemos nossa vida projetada em full-HD nessa imensa tela de algodão. Admiro um dragão. Será que ele vai engolir meu orgulho? Mergulho em outra imagem: quem aparece é seu rosto. Como você mudou! Agora é seu sorriso que se mostra. Sorrio de volta. Seu adeus entra em cena e acena. Recuso-me a devolver o gesto de despedida. Gosto quando você vive em mim. Se eu chorar, vai chover.
 Engraçado: mesmo aqui, a dez mil pés, penso em quando eu ainda dormia em suas mãos, ali, a dez centímetros do seu peito. Elas formavam uma espécie de pequeno travesseiro. Acredite: era o travesseiro mais confortável já inventado pela humanidade. A essa altura, não adianta se lamentar. O passado ficou para trás em itálico, o presente é seu NOME escrito em caixa-alta, e o futuro em negrito é um risco – em todos os sentidos.
Senhora passageira, lamento informar:
Nosso amor foi uma espécie de ponte aérea, com escala em tantas tentativas. Em algum momento dessa viagem poética, entre Dumont e Drummond, desviamos da zona de turbulência, mas perdemos a conexão.
Preciso pousar o ponto final.
Pela tensão, obrigado.
*PEDRO GABRIEL nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e criador de “Eu me chamo Antônio”, perfil do Instagram e página do Facebook que deram origem ao livro Eu me chamo Antônio, lançado pela Intrínseca.

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